
Sílica Cristalina
Toxicologia Mecanística
Mecanismos de toxicidade

A fagocitose da sílica cristalina leva ao inchaço dos fagossomas, seguido de uma desestabilização fagossomal e libertação do seu conteúdo para o compartimento citosólico.
Ocorre a ativação da proteína NALP o que leva à sua associação com a proteína ASC, que se combina com a pró-caspase 1 sendo que ao complexo resultante se dá o nome de inflamossoma. Este vai promover a ativação da caspase-1 que ativa moléculas pró-inflamatórias, como a IL-1β e IL-18. A ativação do inflamassoma pela sílica está também dependente da produção de espécies reativas de oxigénio pela oxidase do NADPH após a fagocitose das partículas de sílica.
Os recetores scavenger parecem ter um papel importante no reconhecimento e captação da sílica para o interior da célula. [6]
Importância das propriedades de superfície da sílica cristalina [10]
A sílica cristalina é dióxido de silício (SiO2) disposto numa estrutura cristalina tridimensional. Deste modo, os grupos silanol estão presentes na superfície da sílica. Estes grupos podem atuar como dadores de hidrogénio e estabelecer ligações com o oxigénio e azoto das membranas biológicas. Esta interação intima entre a sílica e as membranas celulares resulta na perda da integridade membranar (citotoxicidade), perda de enzimas lisossomais, lesão tecidular e tecido pulmonar cicatricial. Agentes que atuam com aceitadores de hidrogénio, como Polivinil Piridina-N-óxido ou organosilanos revestem a superfície da sílica e diminuem a sua toxicidade tanto in vitro como in vivo.
A pH 7, 1 em cada 30 grupos silanol da superfície perdeu o H+ para formar o grupo SiO-. Assim as partículas da sílica têm uma superfície carregada negativamente. Evidências indicam que esta carga negativa de superfície contribui significativamente para a toxicidade da sílica.
O corte, fracturação e trituração da sílica cristalina podem levar à quebra das ligações Si-O da estrutura cristalina gerando radicais siloxilo (Si• ou SiO•). A existência destes radicais na superfície dos planos de corte de sílica recentemente fraturada foi demonstrada através de espectroscopia de ressonância. Em meio aquoso, estes radicais siloxilo podem originar radicais hidroxilo (•OH). Este processo pode ser inibido por meio de quelantes de metais uma vez que vestígios de ferro superficial participam, através da reação de Fenton, na geração destes radicais.
À medida que aumenta o tempo de exposição da sílica fraturada ao ar os níveis de radicais superficiais e a capacidade de geração de •OH diminuem. A sílica recentemente cortada tem mostrado ser mais citotóxica para células pulmonares in vitro (peroxidação lipídica e dano membranar) e mais inflamatória e patogénica in vivo do que sílica que foi cortada há mais tempo. Esta produção de radicais é atribuída à reação de Fenton onde atuam vestígios de ferro e peróxido de hidrogénio gerado durante a fagocitose das partículas de sílica pelos macrófagos alveolares.

Fig. 6: Grupos silanol
Sílica cristalina e inflamação [9],[10]
A exposição à sílica cristalina induz a produção de quimiocinas, citocinas inflamatórias e fatores de crescimento a partir dos macrófagos alveolares e células alveolares do tipo II que têm sido ligadas ao início e à progressão de doença pulmonar relacionada com a sílica.
O fator de necrose tumoral α (TNF-α) tem sido proposto como um mediador critico na patogénese da silicose. Este é uma citocina envolvida na regulação de processos imunes e inflamatórios, que não atua diretamente no recrutamento de células inflamatórias mas sim através da estimulação da produção de quimiocinas quimiotaticas pelos macrófagos, fibroblastos e células epiteliais, como por exemplo, a proteína inflamatória de macrófagos que é uma quimiocina para neutrófilos. Driscoll mostrou a relação direta entre a produção de TNF-α pelos macrófagos alveolares e a infiltração de células inflamatórias nos pulmões de ratos expostos à sílica. Em adição, o tratamento de ratinhos com anticorpos contra o TNF-α demonstrou reduzir a produção de MIP-2, a inflamação e a fibrose pulmonar resultante.
A interleucina 1 (IL-1) tem também sido associada à inflamação pulmonar uma vez que estimula a produção de quimiocinas e de moléculas de adesão. Esta citocina está envolvida na formação de lesões granulomatosas. Dados recentes indicam que o número e o tamanho de granulomas induzidos pela sílica são dramaticamente reduzidos em ratinhos knockout para a IL-1 quando comparados com os wild type. Os ratinhos knockout exibiram também menores níveis de expressão da sintetase do oxido nítrico indutível e menores níveis de apoptose em comparação com ratinhos wild type.
Fagocitose dos cristais de sílica e ativação do inflamassoma NALP3

A expressão de uma grande variedade de quimiocinas, citocinas, células de adesão e fatores de crescimento é controlada pelo fator de transcrição NF-kB. Este é um dímero, sendo a sua forma mais abundante um heterodimero com as subunidades p50 e p65. Em células não ativadas o NF-kB encontra-se no citoplasma na forma inativa ligado a uma proteína inibitória (IkB).
Após a ativação da célula, a IkB é fosforilada por uma cinase e ubiquitinada, permitindo assim a dissociação da IkB do NF-kB, que agora se pode deslocar até ao núcleo e ligar-se a locais específicos na zona promotora dos genes de vários mediadores. Assim, há a ativação da transcrição de mRNA o que induz a tradução/produção especifica de quimiocinas, citocinas e fatores de crescimento. A IkB é por sua vez degradada pelos proteossomas. (Fig. 8A)

As espécies reativas de oxigénio produzidas diretamente a partir da superficie da sílica ou indiretamente a partir do processo de fagocitose de partículas de sílica ativam vias de sinalização que levam à ativação do NF-kB.
A sua ativação é crucial para a produção de mediadores envolvidos na iniciação e progressão da silicose. Kang et all. verificou que as ROS levavam à ativação da fosforilação da IkB pela proteína tirosina cinase o que resulta na ativação do NF-kB.
Posteriormente conclui também que a sílica induzia a atividade da fosfatidilinositol 3-cinase (PI3-cinase) que levaria à ativação do NF-kB por duas vias: através da subunidade p110 da PI3-cinase que induz a fosforilação da tirosina do monomero p65 do NF-kB, e através da ligação da subunidade p85 da PI3-cinase à IkB.

Silica Cristalina e a ativação do NF-kB [10]

Fig.7: Recrutamento de células inflamatórias e produção de citocinas induzidas pela sílica. [9]
Genotoxicidade da Sílica Cristalina [9]
Existe uma relativa controvérsia sobre a capacidade mutagénica da Sílica Cristalina.
Por um lado encontra-se estudos com bactérias que não identificaram capacidade mutagénica, assim como estudos da exposição directa de linfócitos ao quartzo ou tridomite que não revelaram aumentar a frequência mutações em cromatides irmãs.
Mas por outro lado, linfócitos co-cultivados com monócitos expostos a tridomite já pareceram ter aumentado a frequência de mutações nas cromatides irmãs. E ainda, Safiotti e colaboradores reportaram que a co-incubação directa de DNA com quartzo leva a quebras na molécula de DNA possivelmente secundárias a formação de espécies reactivas de oxigénio (estava presente o 8-hidroxideoxiguanosina).
Desta forma, torna-se impossível retirar conclusões assertivas sobre esta temática mas mais estudos poderão ser visualizados na tabela 1.

Tabela 1: resultados dos estudos que caracterizaram a capacidade de genotoxicidade e de transformação celular pela Sílica Cristalina [adaptado de 9].
Fig. 8A: Ativação do NF-kB
Fig.8B: Ativação do NF-kB pela sílica cristalina
Fig. 9: Ativação do inflamassoma NALP3 por um cristal de sílica. [6]